Robert Capa – repórter de guerra

31 01 2014

capa

Este ano, comemoram-se os sessenta anos da morte prematura de Robert Capa. Capa é uma referência para profissionais da reportagem gráfica, como testemunha o imenso acervo que chegou às gerações posteriores, e para quem se interessa pelo registo pontual e próximo da verdadeira condição humana.

Manuel García *

O trabalho de Robert Capa, segundo o seu biógrafo Richard Whelan, inscreve-se na história da imprensa gráfica do século XX: uma história vinculada à revolução industrial, à evolução das máquinas fotográficas e ao conceito da fotografia.
Pela sua formação, em Budapeste (1913-31), a sua iniciação na fotografia, em Berlim (1931-33), e a etapa profissional, em Paris (1933-1936), o discurso visual de Robert Capa nutre-se da escola fotográfica húngara de Jozsef Pécsi, Lajos Kassák e Gyorgy Kepes; do jornalismo berlinense de Harald Lechenperg, Félix H, Man e Otto Umbehr (Umbo) e da fotografia que faziam, em Paris, fotógrafos como Henri Cartier-Bresson, Giselle Freund, André Kertesz, Hans Namuth, David Seymour e muitos mais. O de Capa é um trabalho que, ao longo dos anos, teve um amplo reconhecimento internacional, graças à gestão do Centro Internacional de Fotografia de Nova Iorque.
BUDAPESTE, 1913-31
Robert Capa, cujo nome de registo era André Friedmann, nasceu a 22 de outubro de 1913, na cidade húngara de Peste. Nessa altura, Budapeste estava dividida pelo Rio Danúbio, em dois bairros distintos: Buda e Peste. Inscrito no Imre Madách Gymnasium de Barcsay Utca, ali faria os seus estudos secundários, formando-se na língua hebraica e cultura judaica.
O seu primeiro contacto com a fotografia seria feito através de Eva Besnyö, amiga e fotógrafa. O seu primeiro encontro com a cultura foi feito através de Lajos Kassák, fotógrafo e fundador do jornal Munka. Interessado pela literatura e política decidiu, desde muito jovem, dedicar-se ao jornalismo. Depois dos diversos avatares da Hungria na primeira guerra mundial, da chegada ao poder de Béla Kun (1918) e do golpe de Estado posterior do almirante Horthy (1919) e da perseguição da esquerda (1931), decide abandonar Budapeste e ir para Berlim.
BERLIM, 1931-33
Instalado em Berlim, Capa inscreve-se na Deutsche Hochschule für Politik com o intuito de ampliar a sua formação política. Graças a Eva Besnyö contacta com Simon Guttmann, diretor da agência Dephot (Deutscher Photodienst), onde se inicia como ajudante de laboratório até que, em 1932, o enviam à Suécia para cobrir um comício de León Trotsky, que publicaria na revista Der Weltspiegel, sendo a primeira reportagem da sua carreira profissional. Ao ser nomeado Adolf Hitler como chanceler da Alemanha (30/I/1933) e perante a ascensão dos nazis e a perseguição das pessoas de esquerda decide, com o apoio duma organização judia, sair de Berlim e regressar à Hungria.

PARIS, 1933-36
No outono de 1933, Csiki Weisz e André Friedman chegam à Gare Este, em Paris. Ali contactam com a Schutzverband Deutscher Schriftsteller, que se reunia no Café Mefisto, onde afluíam emigrados, tais como os escritores Arthur Koestler, Egon Erwin Kisch, Gustav Regler, Paul Westein e outros. Ao longo da sua estadia na capital francesa conhece, entre outros, os fotógrafos Cartier-Bresson, Giselle Freund, André Kertesz, Hans Namuth e David Seymour.
Os anos parisienses são duros e cheios de incertezas laborais, até que a Agence Centrale, criada pelos irmãos Kart e Hans Steinitz, o encarregam dalgumas reportagens e inclusivamente lhe faculitam uma câmara Plaubel Makine para que realize o seu trabalho; oportunidade que amplia com os encargos que, desde Zurique, vai fazendo de vez em quando para a empresa suíça de Simon Guttmann. Assim sobrevive até que conhece Gerta Pohorylles (1910-37), com quem partilha, desde então, amizade, trabalho e paixão pessoal.
Na capital francesa, Gerta Pohorylles torna-se na fotógrafa Gerda Taro e André Fiedmann em Robert Capa, iniciando as suas colaborações com a Agência Anglo Continental (1934), criada por Fritz Goro e Marie Eisner. Desta maneira, Capa faz a sua primeira viagem a Espanha, onde realiza duas reportagens sobre o boxeur Paulino Uzcudun, em San Sebastião, e o aviador Emilio Herrera, em Madrid, que publicaria nas revistas Vu (Paris) e Berliner Illustrierte (Berlim). A criação, por Marie Eisner, da agência Alliance Photo (1934), que distribui as reportagens para as agências ABC de Amsterdão e Black Star de Nova Iorque, amplia as suas perspetivas profissionais.
Nos alvores de 1936, muda por completo a situação política, tanto em Espanha como em França, com a vitória da Frente Popular nas eleições em ambos países, com a diferença de que a França enfrenta importantes protestos da classe trabalhadora e Espanha uma rebelião militar.

DOS CADERNOS DA GUERRA DE ESPANHA À MALETA MEXICANA
Primeiro foi o êxito das fotografias dos Cadernos de Guerra de Robert Capa, conservados nos Arquivos Nacionais de França, em Paris, e exibidas pela vez primeira no Congresso Internacional de Intelectuais e Artistas, em Valência (1987).
O mais assombroso talvez não tenha sido a recuperação dos negativos das suas reportagens, remitidos para as agências de imprensa da época – Anglo Continental Press-Photo, Alliance Photo, Back Star, etc – e as revistas ilustradas desse período – Vu, Regards, Life, etc –, mas os álbuns das suas fotos, testemunho excecional do seu meticuloso trabalho de repórter.
Depois, foi o êxito da chamada Maleta Mexicana, que apareceu na cidade do México (2007) e que continha uns 4.500 negativos da Guerra civil espanhola atribuídos aos fotógrafos Robert Capa, David Chim Seymour e Gerda Taro.

ROBERT CAPA, FOTÓGRAFO DE GUERRA, 1936-39
Assim, em 5 de setembro de 1936, Robert Capa chega a Barcelona e começa o seu primeiro trabalho como repórter de guerra. Um trabalho que, entre 1936 e 1937, partilha com Gerda Taro, cuja autoria, nalgumas sequências, apresenta dúvidas entre os especialistas. A cobertura da Guerra Civil espanhola passa por diversas etapas. A primeira, é o trabalho conjunto de Capa e Taro, em Barcelona, Alto Aragão, Madrid, na província de Córdova e o Congresso de Intelectuais Antifascistas em Defesa da Cultura, até à morte trágica de Gerda Taro (1937). A última, é o retorno, já solitário, de Robert Capa a Madrid, Teruel e à frente de Segre; as reportagens sobre os refugiados de Tarragona, em Barcelona, a despedida das Brigadas Internacionais e os campos de concentração franceses (1938-1939). Pelo meio, está o périplo de Capa como repórter e ajudante de câmara de Joris Ivens – autor do documentário Spanish earth (1937), no conflito sino-japonês (1938).
Como ficou evidenciado nas exposições Fotografía e informazione di guerra (Veneza, 1976) e La guerre civile espagnole (Barcelona, 2003), a imagem da guerra é a soma das imagens externas e as imagens internas. Ao trabalo realizado por repórteres gráficos estrangeiros como Robert Capa, Hans Namuth ou David Seymour, há que acrescentar o de repórteres gráficos espanhóis, como Agustí Centelles, Foto Mayo ou Finezas, para dar só alguns exemplos. Estamos a falar de fotografias que publicava tanto a imprensa ilustrada estrangeira – Vu, Life, Picture Post, entre outros meios de comunicação – como a imprensa ilustrada espanhola: ABC, Ahora, Crónica, Mundo Gráfico, La Vanguardia, etc.
Uma das virtudes da exposição Maleta Mexicana, exibida no México, com folhas de contactos, setenta fotos, sessenta revistas e um par de filmes, de imagens realizadas por Capa, Seymour e Taro, é que diferencia a obra através das reportagens das revistas, dos álbuns do autor e das fotografias de maior impacto daquele período. Tudo isto permite agora valorizar melhor o trabalho nómada deste autor e dos seus amigos, que vão percorrendo, de norte a sul, a geografia espanhola para testemunhar o conflito bélico na imprensa estrangeira.

UMA GUERRA… UMAS IMAGENS
A cidade de Barcelona, no verão de 1936, aparece através de várias sequências: um par de milicianos sorridentes, disfrutando do sol numa praça pública, com a peculiaridade de o homem usar gravata, boina azul e uma espingarda na mão (1936); o retrato do menino vestido de miliciano com um gorro da União de Irmãos Proletários, uma cartucheira com correia de coiro e uma espingarda de brincadeira feita em madeira ao ombro; uma sorridente estampa do comboio, cheio de milicianos que desde a Estação de França, certamente, parte em pleno estio para a frente sob a signa: “Jurai sobre estas letras, irmãos: antes morrer que consentir tiranos.”
Com essa bagagem urbana, Robert Capa vai para a frente do Alto Aragão, onde aparecem as espingardas, as trincheiras e os milicianos anarquistas que, por essas datas, combatiam na frente e logo seriam captados, tanto pela fotógrafa húngara Kati Horna, como pelo fotógrafo espanhol Agustí Centelles. O périplo espanhol passa por Madrid, Toledo e a província de Córdova, em cujo Monte de Muriano captaria a morte de um miliciano, que seria uma das imagens emblemáticas da Guerra Civil espanhola, reproduzida nas revistas Vu (París, 23/IX/36); Regards (París, 1937) e Life (Nueva York, 12/VII/1937).
Como se mencionou, em 1936 e 1937, Robert Capa e Gerda Taro trabalham juntos para fazer reportagens, em Madrid, Teruel e Valência, até à morte acidental da fotógrafa, em Brunete. As reportagens evocam retratos, em primeiro plano, de milicianos, destacando a diversidade dos uniformes e as expressões sorridentes de muitos deles e detalhes dos republicanos lutando nas trincheiras.

O FINAL DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA, 1938-39
O retorno de Robert Capa a Espanha coincidiu com a despedida das Brigadas Internacionais. Ainda lhe dá tempo a estar em Les Masies e em Barcelona, para fotografar os rostos dos voluntários chegados de todas as partes do mundo para defender os valores da Espanha republicana.
Em Barcelona, no Hotel Majestic, volta a encontrar-se com bons amigos: o jornalista Herbert Matthews; o escritor Ernest Hemingway e o fotógrafo David Seymour. Ao grupo juntam-se a jornalista inglesa Diana Forbes-Robertson e a jornalista norte-americana Martha Gellhorn. Em apenas alguns meses, na transição do outono de 1938 para os primeiros dias de 1939, Robert Capa cobre jornalisticamente a frente do río Segre, conseguindo publicar nas capas e páginas centrais das revistas Regards (24/XI/1938), Picture Post (3/XII/1938) e Match (22/XII/1938).
Bombardeamentos, trincheiras, feridos. De novo a guerra. Sem esquecer o fator humano. A evacuação aos ombros de um ferido, o cigarro de um miliciano, o rosto de um jornalista lendo entre o jornal diário. A reportagem seguinte tem a ver com o avanço dos militares franquistas que tinham chegado a Vinaroz e forçam a fuga de milhares de refugiados para o norte, como evidencia a capa de Regards (Paris, 16/I/1939). Os horrores da guerra não impedem que nessas reportagens volte a mostrar a sua sensibilidade ao evocar os perfis humanos da população civil.
Para França dirigem-se, em fevereiro de 1939, milhares de republicanos, até chegarem à zona de desarme e controle dos refugiados, pouco antes de entrarem em território francês e serem internados em campos de concentração improvisados à beira ma. O automóvel de Jimmy Sheean serve para transladar até França, Matthews, Forrest, Gallager e Capa. Este último ainda teve energias para regressar aos campos de concentração de Argelès-sur-Mer e Le Barcarés, dando testemunho das cenas dos refugiados amontoados em barracões improvisados à beira do mar Mediterrâneo. Este foi um trabalho que fez até pouco antes de o general Lázaro Cárdenas, presidente do México, entre 1934 e 1940, decidir dar asilo a milhares de espanhóis que chegariam ao porto de Veracruz nos barcos Sinaia, Mexique e Flandre, sob a gestão solidária da duquesa de Atthol (Marselha), do cônsul Gilberto Bosques e do museógrafo Fernando Gamboa.
Nesse ano, começaria a história dos refugiados espanhóis em terras mexicanas, cujas últimos instantâneos fotográficos, nos campos de concentração franceses, seriam captados por Robert Capa, Agustí Centelles e David Seymour, entre outros, como testemunhos dessa história que, em breve, cumprirá setenta e cinco anos.

• Manuel Garcia – jornalista. Tradução: António José André
Publicado em: http://www.jornada.unam.mx/2014/01/05/sem-manuel.html